Ilustração de Fernando Vicente
Os grandes escritores revisam o seu trabalho até a exaustão. Muitos autores quando terminam de escrever uma obra sentem que ela ainda está inacabada. A relação dos escritores com suas obras é tão intensa como a relação com suas próprias vidas: alguns preferem não olhar para trás, outros não param de fazê-lo, alguns são perfeccionistas ao extremo, outros preferem que as obras fiquem como estão. A literatura universal está cheia de obras mestras, que os leitores consideram perfeitas, mas cujos autores nunca deram por terminadas.
Alguns escritores consideram que seus textos têm correções inesgotáveis; cada vez que reveem reeditam algo: adjetivos, frases com sintaxes esquisitas, erros de cronologia. Para considerar uma obra acabada muitos têm apenas de abandoná-la. A maioria considera, no entanto, que a última versão é sempre a melhor.
Este exercício faz com que a escrita e o estilo muitas vezes sejam melhorados. O que não pode (ou não deve) acontecer é o escritor, após a entrega dos originais ao editor ou revisor, queira mudar continuamente trechos, frases ou até ideias inteiras, dificultando e até mesmo atrapalhando todo o processo. Quando o texto original é entregue o escritor deve ter em mente que a obra está finalizada (da sua parte) e que os ajustes que serão feitos apenas melhorarão o texto, deixando-o coerente, coeso e com a “cara de livro”.
Quando finalmente o escritor se rende e entrega o livro ao editor ou revisor, segue um grande momento de euforia para o autor, só comparado quando ele recebe o primeiro exemplar. Mas em seguida ele começa a ver os problemas, os desacordos, e por isso invariavelmente acaba escrevendo outro. A relação de plenitude com um livro dura muito pouco.
Alguns encaram suas deficiências (sim, porque nenhum editor ou revisor faz milagres) como lições, aprendizados para melhorar sua escrita, outros veem quantas outras histórias surgem de suas páginas, e outros simplesmente são partidários de não voltar sobre o escrito, como se suas histórias fossem espelhos daquele momento que escreveram.
As obras literárias, o pensamento filosófico, são corpos vivos que respiram através da relação que estabelecem com os leitores, mas também porque nunca acabam de se separar totalmente de seus autores. Os trabalhos de reescritura podem se prolongar até o infinito.
Estas mudanças sobre mudanças, versões, buscas infinitas de palavras e frases, passos à frente e atrás, fazem o trabalho dos filólogos mais difícil, porém sem dúvida, mais apaixonante. As mudanças que o autor introduz em um texto sempre têm interesse. No terreno da lexicografia, e em particular para a elaboração de um dicionário histórico, é fundamental precisar a data de cada texto.
A luta dos grandes escritores com as palavras não se acaba nunca. Somente o tempo é capaz de derrotar as mudanças inesgotáveis que a imaginação impõe.
Texto adaptado e reescrito de ALTARES, Guillermo. La literatura sin final. Cultura, El País, 27 fev. 2015.