Artigo: Revisão – apenas alguns aspectosArtigo: Revisão – apenas alguns aspectos

Quem gosta de ler um livro, manual ou artigo de jornal e encontrar erros? Já aconteceu de você perder o interesse ou a confiança em um texto após se deparar com uma série de incorreções? Será que mesmo nós, profissionais da área, já paramos para pensar na importância da revisão de textos para a credibilidade de um produto oferecido ou de uma ideia defendida? 

Revisar hoje em dia transformou-se em sinônimo de “lutar contra o tempo”. Quando você pensa que vai começar um trabalho, e se arma de todas as gramáticas, dicionários de sinônimos/ antônimos, regência verbal e expressões idiomáticas, glossários específicos sobre o assunto e outras ferramentas de pesquisa para entregar uma revisão perfeita, o prazo já está se esgotando e é hora de entregar o trabalho. 

Nesse contexto de tanta pressa, que parece ser a palavra de ordem de hoje, até os melhores profissionais podem cometer erros. Este é um fato facilmente comprovável – basta que façamos a leitura de qualquer trabalho, desde teses, dissertações e monografias, até press releases, artigos de jornal, livros e manuais de interesse geral ou de áreas técnicas especializadas. Quanto maior a pressão do cliente por rapidez, maior é o número de erros. Isto se aplica tanto à revisão unilíngue quanto à revisão de textos traduzidos. E, neste último caso, acrescente-se a todas as dificuldades o fato de existirem também erros de tradução a serem corrigidos. E, entra ano sai ano, os mesmos erros – aqueles mesmos que saem há anos em colunas divertidas de revistas, jornais e publicações especializadas e ainda são motivo de riso – continuam acontecendo. Ótimo para os revisores, que continuam, por isso, se fazendo importantes. Pois nosso maior terror é, após a revisão cuidadosa de um texto, sem tempo suficiente (por que será que o tempo nunca é suficiente?), deixar passar erros descobertos, eventualmente, por um cliente. Isso equivale, como costumo dizer aos meus trainees, a defender quatro pênaltis em uma final de copa do mundo e engolir um “frango”, tudo na mesma partida. Adivinha se o goleiro ganhará notoriedade pelos pênaltis defendidos ou pelo frango que engoliu? 

Em princípio, é mais difícil detectar nossos próprios erros depois de passarmos um tempo enorme concentrados naquilo que escrevemos, traduzimos ou revisamos. As incorreções podem passar despercebidas, pois temos a tendência a ser mais condescendentes conosco mesmos. A solução seria sempre ter um texto escrito ou traduzido por uma pessoa e revisado por outra. 

Este texto pretende tão somente oferecer uma visão geral do trabalho de revisão, mostrando as principais questões que envolvem essa atividade no mercado atual. Detalhe: nosso universo de especialidade é o da revisão de materiais técnicos traduzidos, área sobre a qual podemos falar com mais propriedade. Mesmo assim, acreditamos que muitas das ideias expostas a seguir também se aplicam a revisores unilíngues. 

Em primeiro lugar, cabe a pergunta: quem é o revisor hoje? Sabemos de sua importância para a qualidade final dos textos escritos, mas o mercado parece ignorar sua existência, assim como a maior parte dos livros lidos no Brasil são traduzidos e, no entanto, o tradutor é um ilustre desconhecido. No caso mesmo da tradução, cada vez mais a revisão fica a cargo do próprio tradutor, o que não é 100% saudável para a qualidade final do texto, mas é o que o mercado demanda: rapidez e economia de custos. A fórmula é simples: um tradutor/revisor custa mais barato que um tradutor e um revisor separados. Mas nem sempre o resultado é o melhor possível para o leitor ou usuário final do produto traduzido. 

Evidentemente, o ideal seria mantermos a atuação do revisor independente que, em parceria com o tradutor, também domina as duas línguas, a terminologia e o estilo, mas cuja função difere um pouco – seu papel é o de exercer 100% de atenção e desconfiança, para que tudo fique perfeito. 

E quanto à revisão de textos em papel, alguém ainda se lembra? Há livros que ainda dizem hoje em dia que o ideal é revisar o texto impresso em sua forma final. Depende do cliente, da finalidade do texto e de uma série de outros fatores. Se o texto é de um manual de produto a ser distribuído na forma impressa, é sem dúvida ideal que a revisão final seja feita no formato final, ou seja, papel. Por mais que isso demande mais tempo, pois as correções feitas no papel ainda terão que ser passadas para os arquivos eletrônicos que originaram a cópia, e depois tudo terá que ser impresso novamente – para ainda mais uma revisão final? 

Seja em que mídia for, a revisão de textos envolve procedimentos e alvos, como dissemos acima, que ainda permanecem. Os principais pontos a serem revisados, válidos para a maioria dos trabalhos de revisão, incluem, não necessariamente nesta ordem de importância: 

1) completude do documento (se todo o texto foi traduzido, incluindo gráficos e ilustrações, cabeçalhos e rodapés, se for o caso) 
2) fidelidade da tradução ao texto original 
3) compatibilidade de estilo e terminologia com o mercado ou público a que se destina o texto 
4) texto gramaticalmente correto em todos os aspectos 
5) presença de caracteres especiais, como C de copyright, R de marca registrada, etc. 
6) nomes, endereços e telefones de empresas corretos 
7) referências internas ao texto corretas, como nomes de capítulos, páginas, legendas condizentes com as respectivas ilustrações, etc. No caso de softwares, comandos, botões e nomes de telas correspondentes ao que se vê na interface 
8) ordem alfabética correta (se for o caso) 
9) unidades de medida e outros padrões de acordo com as normas nacionais 

Além dos tópicos acima, que podem ser considerados básicos para quase qualquer tipo de trabalho, certamente vocês leitores ainda podem sugerir outros, de acordo com seu tipo de material específico. 

As técnicas de revisão também podem variar, de acordo com o trabalho a ser feito. Uma leitura do texto na íntegra sempre ajuda, quando se tem acesso a um texto completo. No caso de revisores de materiais técnicos, como software e arquivos de ajuda, só a guisa de exemplo, raramente o profissional tem acesso a um material completo. Portanto, ajuda muito a revisão feita parágrafo a parágrafo, já que nunca se sabe ao certo onde estão o início e o fim do material. 

No caso das ferramentas, nossos bons e velhos dicionários continuam valendo, de acordo com a seguinte regra: quanto mais, melhor. É claro que as únicas limitações serão o espaço na sua estante ou no seu micro. A internet tornou-se uma excelente aliada, com uma oferta praticamente ilimitada de sites contendo dicionários especializados em inúmeras áreas. No caso de revisões feitas na tela do computador, que ainda tenham que ser submetidas à aprovação, existe o recurso de marcas de revisão do processador de textos. Muito bom para que as alterações tenham a possibilidade de ser discutidas antes de serem efetivadas! 

Não conheço um software de revisão que seja tão revolucionário quanto os conhecidos corretores ortográficos/ gramaticais. Até certo ponto devemos dar graças a Deus, pois, se os tradutores automáticos que conhecemos são ainda tão imperfeitos, imagine um revisor automático, quantas pérolas não produziria… O material humano continua sendo o mais valioso quando se trata de aperfeiçoamento de textos. Graças a Deus! 

Conselhos para quem está entrando no mercado são sempre difíceis de dar. No máximo podemos fornecer algumas dicas genéricas: 

1) Em primeiro lugar, ame o seu idioma. Não o considere inferior a nenhum outro. Conheça-o profundamente, avalie suas riquezas e sutilezas, para poder ter sempre à mão a palavra certa para o contexto certo, pois, mais uma vez, a característica principal do mercado de revisão atual é a falta de tempo. Leia bastante em português, para ficar “prático” e fluente. Ler o quê? De tudo: desde bulas de remédio até a coluna de economia do jornal. Se você pretende ser um profissional versátil, nunca saberá que tipo de texto cairá em suas mãos. E se for um texto sobre a política econômica da Inglaterra ou a situação atual da guerra no país X? Como você poderá opinar quanto ao melhor termo, se os dicionários trazem diversas opções e só você sabe o contexto do trabalho? No caso da revisão de textos traduzidos, conheço alguns tradutores/ revisores que, muito equivocadamente, acham que dominar mais o idioma de origem do que o de destino é suficiente. 
2) Não queira reescrever o texto. Correções desnecessárias são uma perda de tempo, além de constrangerem o autor, criando arranhões num relacionamento que, conforme foi dito anteriormente, tem que se basear na confiança mútua. Ou seja, o revisor tem que confiar que o autor/tradutor consultou todas as fontes necessárias e fez o melhor possível com o tempo designado, da mesma forma que o autor/tradutor tem que confiar que o revisor não vai estragar o seu trabalho. 
3) Dentro do limite de tempo fornecido para o trabalho, é proibido ter preguiça! Não confie na sua memória ou na sua extrema sabedoria – consulte todas as fontes adequadas para o trabalho. Como exemplo, podemos repetir a importância que a internet adquiriu como fonte de consulta. É excelente, você terá acesso a informações atuais de forma dinâmica e poderá se surpreender com os resultados, quando nenhuma outra fonte resolver o seu problema. Lembre-se: excesso de confiança em si próprio sempre é um risco, e a sua reputação profissional é que está em jogo. Seja humilde. 
4) Dependendo do tipo de trabalho, conforme já foi dito antes, faça uma revisão parágrafo a parágrafo, especialmente se o seu trabalho envolve o cotejo com uma língua de origem diferente do português. Alguns tradutores hoje me agradecem por esta dica que parece ser muito simples, mas ajuda demais a não cometer erros desnecessários e sobrecarregar o revisor. Após a revisão minuciosa, se possível, leia todo o texto, para aparar qualquer aresta que tenha sobrado. 
5) Discuta com seu cliente a abrangência da revisão. Este é um aspecto muito importante. É quase impossível encontrar um revisor que, além de dominar os idiomas de origem (se for o caso) e de destino, também seja expert em todas as matérias técnicas. Se o texto for excessivamente técnico e em decorrência disso o assunto não estiver totalmente ao seu alcance, talvez valha a pena propor ao cliente que, além de uma revisão linguística, seja feita também uma revisão técnica por um profissional da área. 
6) Last, but not least – não perca a criatividade, o interesse pelo texto. Em outras palavras, não se automatize! Todo texto tem vida e pode ser muito interessante para o leitor, mesmo o mais técnico. Por isso, mergulhe no seu texto, não meça esforços para torná-lo mais interessante, original, e – talvez o mais importante – mais legível, sob todos os aspectos. 

Outras dicas poderiam ser dadas, mas elas dependeriam muito do material de trabalho do revisor. Passemos portanto a outros aspectos dessa carreira que acho muito interessantes. 

Com os limites de tempo impostos ao trabalho de revisão, sobre o que já falamos exaustivamente, vimos que o tradutor cada vez mais incorpora o trabalho de revisor. Mas será que as duas habilidades convivem com a mesma excelência no mesmo profissional? Dito de outra forma: será que existe um “perfil de tradutor” e um “perfil de revisor”? Outra questão curiosa é: será que o revisor de textos bilíngues, mesmo que não tenha tido uma formação específica em tradução, de tanto revisar textos traduzidos pode vir a ser um bom tradutor? Segundo minha modesta experiência, a resposta a esta pergunta é “sim”. Diversos profissionais passaram por nossa empresa começando como revisores, e hoje são bons tradutores – por sinal, disputadíssimos. Por outro lado, também tenho visto revisores que teriam toda a competência para se tornar tradutores e, estranhamente, não o desejam. Faltaria a estes profissionais apenas uma pitada de ousadia, ou devemos considerá-los simplesmente profissionais extremamente conscienciosos de suas limitações (se é que elas existem…)? 

Outro aspecto instigante é a questão da coautoria. Os tradutores conhecem o tema da regulamentação da profissão e o quanto ainda é difícil para o mercado enxergar o tradutor como um coautor do texto originariamente escrito em idioma estrangeiro. E o revisor, será que ele merece também ser considerado coautor do texto? Que implicações financeiras para o mercado isso teria? 

Bem, muitas outras questões poderiam ser levantadas, mas, por falar em limitações, vamos justificar o término deste artigo com mais duas: falta de espaço e falta de conhecimento para falar mais sobre esta maravilhosa profissão. Fica, portanto, o convite para os comentários dos colegas. Além disso, ficam também minhas sinceras homenagens e o incentivo para que os revisores continuem fazendo seu trabalho silencioso, anônimo, meticuloso – e, acima de tudo, simplesmente indispensável.

FONTE: FERNANDES, A. B. M. Revisão: apenas alguns aspectos. Disponível em: <http://www.abrates.com.br/abreartigo.asp?onde=REVIS%C3O%20APENAS%20ALGUNS%20ASPECTOS.abr> Acesso em: 28/12/2011.
Revisado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, por Alessandra Angelo.

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